17 dezembro, 2011


"Damos comummente às nossas ideias do desconhecido a cor das nossas noções do conhecido: 
se chamamos à morte um sono é porque parece um sono por fora; 
se chamamos à morte uma nova vida é porque parece uma coisa diferente da vida. 
Com pequenos mal-entendidos com a realidade construímos as crenças e as esperanças, 
e vivemos das côdeas a que chamamos bolos, como as crianças pobres 
que brincam a ser felizes.
Mas assim é toda a vida; assim, pelo menos, é aquele sistema de vida particular a que 
no geral se chama civilização. A civilização consiste em dar a qualquer coisa um nome 
que lhe não compete, e depois sonhar sobre o resultado. E realmente o nome falso 
e o sonho verdadeiro criam uma nova realidade. O objecto torna-se realmente 
outro, porque o tornámos outro.
Manufacturamos realidades. A matéria-prima continua a ser a mesma, mas a forma, 
que a arte lhe deu, afasta-a efectivamente de continuar sendo a mesma. 
Uma mesa de pinho é pinho mas também é mesa. Sentamo-nos à mesa e não ao pinho. 
Um amor é um instinto sexual, porém não amamos com o instinto sexual, 
mas com a pressuposição de outro sentimento. 
E essa pressuposição é, com efeito, já outro sentimento."

O Livro do Desassossego (Fernando Pessoa)

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