"Damos
comummente às nossas ideias do desconhecido a cor das nossas noções do
conhecido:
se chamamos à morte um sono é porque parece um sono por fora;
se chamamos à morte uma nova vida é porque parece uma coisa diferente da vida.
se chamamos à morte um sono é porque parece um sono por fora;
se chamamos à morte uma nova vida é porque parece uma coisa diferente da vida.
Com
pequenos mal-entendidos com a realidade construímos as crenças e as esperanças,
e vivemos das côdeas a que chamamos bolos, como as crianças pobres
que brincam a ser felizes.
Mas assim é toda a vida; assim, pelo menos, é aquele sistema de vida particular a que
no geral se chama civilização. A civilização consiste em dar a qualquer coisa um nome
que lhe não compete, e depois sonhar sobre o resultado. E realmente o nome falso
e o sonho verdadeiro criam uma nova realidade. O objecto torna-se realmente
outro, porque o tornámos outro.
Manufacturamos realidades. A matéria-prima continua a ser a mesma, mas a forma,
que a arte lhe deu, afasta-a efectivamente de continuar sendo a mesma.
Uma mesa de pinho é pinho mas também é mesa. Sentamo-nos à mesa e não ao pinho.
Um amor é um instinto sexual, porém não amamos com o instinto sexual,
mas com a pressuposição de outro sentimento.
E essa pressuposição é, com efeito, já outro sentimento."
e vivemos das côdeas a que chamamos bolos, como as crianças pobres
que brincam a ser felizes.
Mas assim é toda a vida; assim, pelo menos, é aquele sistema de vida particular a que
no geral se chama civilização. A civilização consiste em dar a qualquer coisa um nome
que lhe não compete, e depois sonhar sobre o resultado. E realmente o nome falso
e o sonho verdadeiro criam uma nova realidade. O objecto torna-se realmente
outro, porque o tornámos outro.
Manufacturamos realidades. A matéria-prima continua a ser a mesma, mas a forma,
que a arte lhe deu, afasta-a efectivamente de continuar sendo a mesma.
Uma mesa de pinho é pinho mas também é mesa. Sentamo-nos à mesa e não ao pinho.
Um amor é um instinto sexual, porém não amamos com o instinto sexual,
mas com a pressuposição de outro sentimento.
E essa pressuposição é, com efeito, já outro sentimento."
O Livro do Desassossego (Fernando Pessoa)
Sem comentários:
Enviar um comentário