Aos que não sentem...
"O Mundo é de Quem não Sente
O mundo é de quem não sente.
A condição essencial para se ser um homem prático
é a ausência de sensibilidade.
A qualidade principal na prática da vida
é aquela qualidade que conduz à acção, isto é, a vontade.
Ora há duas coisas que estorvam a acção
- a sensibilidade e o pensamento analítico,
que não é, afinal, mais que o pensamento com sensibilidade.
Toda a acção é, por sua natureza,
a projecção da personalidade sobre o mundo externo,
e como o mundo externo é em grande e principal parte
composto por entes humanos, segue que essa projecção da personalidade
é essencialmente o atravessarmo-nos no caminho alhieo,
o estorvar, ferir e esmagar os outros, conforme o nosso modo de agir.
Para agir é, pois, preciso que nos não figuremos com facilidade
as personalidades alheias, as suas dores e alegrias.
Quem simpatiza pára.
O homem de acção considera o mundo externo como composto
exclusivamente de matéria inerte - ou inerte em si mesma,
como uma pedra sobre que passa ou que afasta do caminho;
ou inerte como um ente humano que, porque não lhe pôde resistir,
tanto faz que fosse homem como pedra, pois, como à pedra,
ou se afastou ou se passou por cima."
O Livro do Desassossego, Fernando Pessoa
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